Mesmo tendo ganho a viagem à Grécia, Hugo
levou 10 anos menos duas semanas para finalmente tomar a decisão de ir. Se
tivesse esperado mais, a McDonald's ia anular o prémio e a sua mulher iria
matá-lo. Mal sabia ele que a sua vida iria mudar para sempre.
"Até decidir que papel higiénico
comprar era complicado para ele," disse a sua mulher Elisabete. "Ele
começava a ficar todo suado e coiso, e a peidar-se como uma manada de porcos
pretos." Acrescentou a torturada mulher. Toda a família de Hugo sabia bem que, quando ele estava a tentar muito
decidir qualquer coisa, era melhor sair dali. Para bem longe dali.
Então, na terceira manhã da sua viagem à
Grécia, as duas primeiras tinham sido desperdiçadas em indecisão, Hugo conheceu
uma mulher que iria mudar a sua vida para sempre. A família Trompa entrou no
escritório do agente de viagens, uma manhã em Atenas, tentando decidir-se a
reservar uma excursão à ilha de Andros. Hugo foi acometido pela indecisão e
peidou-se tempestuosamente.
"Nada que a simpática agente de
viagens lhe pudesse dizer iria facilitar a coisa," disse Elisabete. Era um
problema crónico com o qual a Sra. Trompa havia sofrido desde que se conseguia lembrar.
"Finalmente íamos todos dizer sim à excursão, e começa o Hugo a fazer perguntas
outra vez e acabámos todos a fazer
nestum, para além da limpeza da agência."
Explicou a mulher mais do que farta.
Assim se passaram os dois primeiros dias
da viagem e se confirmou o porquê da resistência de Hugo desde o início. Ele
sabia que teria muitas decisões a tomar; acontecia-lhe sempre que saia à rua lá
em Santo Tirso.
A agente de viagens, Sotiria
Papadopooloo, disse educadamente que tinha umas coisas para fazer e encorajou-o
com algumas palavras de sabedoria. "Ela olhou para mim como uma criança e
disse-me; ‘qualquer decisão é melhor que decisão nenhuma.’" Lembrou-se
Hugo. "Decida-se," disse-lhe a
mulher cada vez mais impaciente, deixando a família sozinha enquanto ia tratar
de uns assuntos e ia apanhar algum ar fresco.
Meia hora mais tarde, Hugo continuava em
luta. O cheiro não era agradável.
"Foi então que a agente de viagens
mudou a minha vida para sempre." Explicou Hugo.
"Olha." Disse-lhe Sotiria
finalmente, "cada pessoa no planeta, faz qualquer coisa na sua mente quando
toma uma decisão, todos nós. Sim ou Não transformam-se sempre numa acção
direita ou esquerda. Algumas pessoas mexem os dedos do pé esquerdo ou direito,
outras cruzam as pernas, piscam os olhos, coçam as orelhas. É a tua voz
interior a tentar ajudar-te a decidir. Esquerda e Direita, sempre esquerda e direita."
Era uma tradição amplamente difundida na sua terra natal, no norte da Grécia. "Todos
na minha família são adivinhos. Eu não. Mas dou-lhe este conselho à mesma."
"Foi uma coisa do diabo. Até fiquei
parvo," disse Hugo, qua sabia ter de fazer alguma coisa para mudar as suas
indecisões. Estava a prejudicar o seu casamento, a sua família e as suas
finanças. "Como poderá isto ajudar-me?"
Hugo contou o que a mulher lhe tinha
dito a seguir. "Ela olhou-me nos olhos e disse-me algo que eu hei-de levar
comigo para a tumba. ‘Contigo. A tua acção esquerda ou direita é peidares-te!’ Disse-me
ela, que eu não ficasse envergonhado porque ela já tinha visto disto antes."
"Ela disse que o caso dele era dos
graves." Disse a mulher de Hugo com um sorriso.
"Os putos partiram-se todos a rir
quando ela disso aquilo." Recordou Hugo.
Sotiria explicou que tinha pensado nisso
enquanto esteve a apanhar ar. "Você inclina-se para a esquerda ou para a
direita antes de deixar escapar o ar. Vai daí, reserva a excursão depois de se inclinar
para um lado. Ou não, não vai porque se inclinou para o outro lado. Você sabe
no seu coração e na sua mente para que lado se inclinar. Nem sequer tem que
pensar. A única coisa que tem que decidir é para que lado é sim e para que lado
é não."
"Como é que eu faço isso?" Perguntou
Hugo à sábia mulher.
"É só perguntar." Disse
Sotiria, apontado para a sua extremidade traseira, sugerindo-lhe que fosse dar
uma volta, pensasse sobre a excursão e voltasse. Hugo Trompa sentou-se e contemplou
os pressupostos teóricos por um momento, inclinou-se para a esquerda e decidiu marcar
a excursão. Tão simples quanto isso.
"Agradeci à Sotiria e saí do
escritório dela leve como se me tivessem tirado um Fernando Mendes de cima."
Foi uma sorte ter encontrado a mulher a quem se refere agora como o seu anjo da
guarda.
"Vamos apanhar o autocarro para o ferry
ou vamos a pé?" Discutiam os Trompas. Hugo inclinava-se simplesmente para a direita e decidia ir a pé, deixando
as pessoas na esplanada atrás dele com dificuldades de respiração. Durante o
resto do dia, Hugo tomou todas as decisões desta maneira. "Sanduíche ou pizza?
Óculos de sol pretos ou vermelhos? Esquerda, direita. Sanduíche, vermelhos. Assim
de repente, era tão fácil decidir!"
"As decisões saiam dele como pipocas
ao lume." Disse Elisabete, que notou a diferença imediatamente. Mais tarde,
enquanto as crianças lá foram às coisas delas, Hugo e Elisabete aproveitaram
aquele que foi provavelmente o dia mais romântico do seu casamento desde há
muito, muito tempo. "Não sei o que é que te deu hoje, disse-lhe eu. Mas se
é para continuar assim, acho que vamos ter uma viagem mais romântica que a
novela da tarde."
Algo estava a acontecer nas férias da
família Trompa. Estavam a começar a divertir-se.
"Quando a minha Bruna de 16 anos veio
ter comigo na ilha e perguntou se podia ia passear com um rapaz que ela
conheceu no ferry, eu sabia exactamente o que fazer." Disse
Hugo. Esta seria uma decisão que o teria
praticamente matado no dia anterior, admitiria o próprio.
"Não havia esperança no mundo de
que ele conseguisse tomar essas decisão." Assegurou
Elisabete, em relação à sua filha. Isto teria
deixado os Trompas em sofrimento, com uma filha a querê-lo matar de forma
violenta. Toda a família teria ficado miserável, regressariam todos ao hotel e
iriam para o quarto chorar, com raiva uns dos outros o resto da noite.
"Consultei as minhas nalgas três
vezes. Todas as vezes me disseram, ‘Deixa-a ir.’ Ok, disse eu. Diverte-te."
Contou Hugo. Estava em paz com a decisão.
"As pessoas no restaurante nem
souberam a sorte que tiveram." Acrescentou Elisabete. "Antes disto, tinha levado bem mais do que três peidos a decidir-se."
Mais tarde nesse dia, a sua filha Bruna
regressou, feliz como uma ameijoa, dizendo-lhes que tinham sido convidados para
jantar em casa do rapaz. Hugo inclinou-se para a direita, e aceitou o convite. "Acontece
que o pai do rapaz grego se safou muito bem no negócio do marisco, o que foi
óptimo." Sorriu Hugo, que possuía uma frota de pesca de camarão no porto
de Leixões. "Ao fim da noite, eu e o Demis já estávamos a dar um bacalhau
à custa de um acordo em que ele me garantia um comprador por cada camarão que
eu apanhasse."
Os peidos ajudaram o seu casamento, tornaram
a sua família feliz e resolveram o seu bem-estar financeiro, tudo no mesmo dia.
"Agora, quando vou ao camarão, deixo
o vento levar-me onde ele quiser. Ando a apanhar mais camarão do que nunca. Eu
juro que daqui em diante, vou deixar os peidos decidir o meu destino."
Um
Hugo feliz sorria, largando um apenas por largar.
4 comentários:
e lembro-me um bocadinho de Boris Vian quando te leio :-) Parabéns!
Muito obrigado, Ana. Ainda para mais porque eu adoro o Boris Vian.
Beijos,
E mais, El Gato, acrescentaria Max Aub, Herman Melville, Laurence Sterne e outros. Eu sei que sou suspeita - e ainda bem! - mas, e como vês, há outras pessoas que reconhecem a tua criatividade na escrita.
Beijo-te,
Agora fiquei envergonhado, Maria. A verdade é que, ao lado desses senhores, eu sou algo insignificante. Tipo um íman de frigorífico, mas daqueles que vêm nos cereais do Minipreço.
Beijo-te,
Enviar um comentário