quarta-feira, novembro 28, 2012

Disse-me uma Adivinha


Hugo Trompa, de Santo Tirso, foi numa viagem com a sua família à Grécia; o que já em si foi um feito surpreendente, uma vez que Hugo tem uma dificuldade terrível em tomar decisões. A menor bifurcação na estrada dá-lhe cólicas dolorosas e gases com elevado teor de toxicidade.
Mesmo tendo ganho a viagem à Grécia, Hugo levou 10 anos menos duas semanas para finalmente tomar a decisão de ir. Se tivesse esperado mais, a McDonald's ia anular o prémio e a sua mulher iria matá-lo. Mal sabia ele que a sua vida iria mudar para sempre.
"Até decidir que papel higiénico comprar era complicado para ele," disse a sua mulher Elisabete. "Ele começava a ficar todo suado e coiso, e a peidar-se como uma manada de porcos pretos." Acrescentou a torturada mulher. Toda a família de Hugo sabia bem que, quando ele estava a tentar muito decidir qualquer coisa, era melhor sair dali. Para bem longe dali.
Então, na terceira manhã da sua viagem à Grécia, as duas primeiras tinham sido desperdiçadas em indecisão, Hugo conheceu uma mulher que iria mudar a sua vida para sempre. A família Trompa entrou no escritório do agente de viagens, uma manhã em Atenas, tentando decidir-se a reservar uma excursão à ilha de Andros. Hugo foi acometido pela indecisão e peidou-se tempestuosamente.
"Nada que a simpática agente de viagens lhe pudesse dizer iria facilitar a coisa," disse Elisabete. Era um problema crónico com o qual a Sra. Trompa havia sofrido desde que se conseguia lembrar. "Finalmente íamos todos dizer sim à excursão, e começa o Hugo a fazer perguntas outra vez e acabámos todos a fazer nestum, para além da limpeza da agência." Explicou a mulher mais do que farta.
Assim se passaram os dois primeiros dias da viagem e se confirmou o porquê da resistência de Hugo desde o início. Ele sabia que teria muitas decisões a tomar; acontecia-lhe sempre que saia à rua lá em Santo Tirso.
A agente de viagens, Sotiria Papadopooloo, disse educadamente que tinha umas coisas para fazer e encorajou-o com algumas palavras de sabedoria. "Ela olhou para mim como uma criança e disse-me; ‘qualquer decisão é melhor que decisão nenhuma.’" Lembrou-se Hugo. "Decida-se," disse-lhe a mulher cada vez mais impaciente, deixando a família sozinha enquanto ia tratar de uns assuntos e ia apanhar algum ar fresco.
Meia hora mais tarde, Hugo continuava em luta. O cheiro não era agradável.
"Foi então que a agente de viagens mudou a minha vida para sempre." Explicou Hugo.
"Olha." Disse-lhe Sotiria finalmente, "cada pessoa no planeta, faz qualquer coisa na sua mente quando toma uma decisão, todos nós. Sim ou Não transformam-se sempre numa acção direita ou esquerda. Algumas pessoas mexem os dedos do pé esquerdo ou direito, outras cruzam as pernas, piscam os olhos, coçam as orelhas. É a tua voz interior a tentar ajudar-te a decidir. Esquerda e Direita, sempre esquerda e direita." Era uma tradição amplamente difundida na sua terra natal, no norte da Grécia. "Todos na minha família são adivinhos. Eu não. Mas dou-lhe este conselho à mesma."
"Foi uma coisa do diabo. Até fiquei parvo," disse Hugo, qua sabia ter de fazer alguma coisa para mudar as suas indecisões. Estava a prejudicar o seu casamento, a sua família e as suas finanças. "Como poderá isto ajudar-me?"
Hugo contou o que a mulher lhe tinha dito a seguir. "Ela olhou-me nos olhos e disse-me algo que eu hei-de levar comigo para a tumba. ‘Contigo. A tua acção esquerda ou direita é peidares-te!’ Disse-me ela, que eu não ficasse envergonhado porque ela já tinha visto disto antes."
"Ela disse que o caso dele era dos graves." Disse a mulher de Hugo com um sorriso.
"Os putos partiram-se todos a rir quando ela disso aquilo." Recordou Hugo.
Sotiria explicou que tinha pensado nisso enquanto esteve a apanhar ar. "Você inclina-se para a esquerda ou para a direita antes de deixar escapar o ar. Vai daí, reserva a excursão depois de se inclinar para um lado. Ou não, não vai porque se inclinou para o outro lado. Você sabe no seu coração e na sua mente para que lado se inclinar. Nem sequer tem que pensar. A única coisa que tem que decidir é para que lado é sim e para que lado é não."
"Como é que eu faço isso?" Perguntou Hugo à sábia mulher.
"É só perguntar." Disse Sotiria, apontado para a sua extremidade traseira, sugerindo-lhe que fosse dar uma volta, pensasse sobre a excursão e voltasse. Hugo Trompa sentou-se e contemplou os pressupostos teóricos por um momento, inclinou-se para a esquerda e decidiu marcar a excursão. Tão simples quanto isso.
"Agradeci à Sotiria e saí do escritório dela leve como se me tivessem tirado um Fernando Mendes de cima." Foi uma sorte ter encontrado a mulher a quem se refere agora como o seu anjo da guarda.
"Vamos apanhar o autocarro para o ferry ou vamos a pé?" Discutiam os Trompas. Hugo inclinava-se simplesmente para a direita e decidia ir a pé, deixando as pessoas na esplanada atrás dele com dificuldades de respiração. Durante o resto do dia, Hugo tomou todas as decisões desta maneira. "Sanduíche ou pizza? Óculos de sol pretos ou vermelhos? Esquerda, direita. Sanduíche, vermelhos. Assim de repente, era tão fácil decidir!"
"As decisões saiam dele como pipocas ao lume." Disse Elisabete, que notou a diferença imediatamente. Mais tarde, enquanto as crianças lá foram às coisas delas, Hugo e Elisabete aproveitaram aquele que foi provavelmente o dia mais romântico do seu casamento desde há muito, muito tempo. "Não sei o que é que te deu hoje, disse-lhe eu. Mas se é para continuar assim, acho que vamos ter uma viagem mais romântica que a novela da tarde."
Algo estava a acontecer nas férias da família Trompa. Estavam a começar a divertir-se.
"Quando a minha Bruna de 16 anos veio ter comigo na ilha e perguntou se podia ia passear com um rapaz que ela conheceu no ferry, eu sabia exactamente o que fazer." Disse Hugo. Esta seria uma decisão que o teria praticamente matado no dia anterior, admitiria o próprio.
"Não havia esperança no mundo de que ele conseguisse tomar essas decisão." Assegurou Elisabete, em relação à sua filha. Isto teria deixado os Trompas em sofrimento, com uma filha a querê-lo matar de forma violenta. Toda a família teria ficado miserável, regressariam todos ao hotel e iriam para o quarto chorar, com raiva uns dos outros o resto da noite.
"Consultei as minhas nalgas três vezes. Todas as vezes me disseram, ‘Deixa-a ir.’ Ok, disse eu. Diverte-te." Contou Hugo. Estava em paz com a decisão.
"As pessoas no restaurante nem souberam a sorte que tiveram." Acrescentou Elisabete. "Antes disto, tinha levado bem mais do que três peidos a decidir-se."
Mais tarde nesse dia, a sua filha Bruna regressou, feliz como uma ameijoa, dizendo-lhes que tinham sido convidados para jantar em casa do rapaz. Hugo inclinou-se para a direita, e aceitou o convite. "Acontece que o pai do rapaz grego se safou muito bem no negócio do marisco, o que foi óptimo." Sorriu Hugo, que possuía uma frota de pesca de camarão no porto de Leixões. "Ao fim da noite, eu e o Demis já estávamos a dar um bacalhau à custa de um acordo em que ele me garantia um comprador por cada camarão que eu apanhasse."
Os peidos ajudaram o seu casamento, tornaram a sua família feliz e resolveram o seu bem-estar financeiro, tudo no mesmo dia.
"Agora, quando vou ao camarão, deixo o vento levar-me onde ele quiser. Ando a apanhar mais camarão do que nunca. Eu juro que daqui em diante, vou deixar os peidos decidir o meu destino." 

Um Hugo feliz sorria, largando um apenas por largar.

4 comentários:

Ana Paula Afonso disse...

e lembro-me um bocadinho de Boris Vian quando te leio :-) Parabéns!

Unknown disse...

Muito obrigado, Ana. Ainda para mais porque eu adoro o Boris Vian.

Beijos,

Maria disse...

E mais, El Gato, acrescentaria Max Aub, Herman Melville, Laurence Sterne e outros. Eu sei que sou suspeita - e ainda bem! - mas, e como vês, há outras pessoas que reconhecem a tua criatividade na escrita.

Beijo-te,

Unknown disse...

Agora fiquei envergonhado, Maria. A verdade é que, ao lado desses senhores, eu sou algo insignificante. Tipo um íman de frigorífico, mas daqueles que vêm nos cereais do Minipreço.

Beijo-te,